Entrevista especial

No Mattos Filho, acreditamos que podemos ir além do jurídico. Impulsionar as transformações que a sociedade brasileira precisa.

Por isso, quando refletimos sobre quem poderíamos convidar para concluir o nosso Relatório anual, a escolha recaiu sobre dois empresários que vão muito além de suas atividades profissionais: Geyze Diniz e Abilio Diniz.

Nesse bate-papo especial com o sócio Flávio Pereira Lima, Geyze e Abilio traçam os próximos passos para guiar o crescimento do Brasil e das empresas, lidar com as principais questões sociais do país e fazer uma gestão eficiente, ressaltando a importância de uma liderança humana para obter o equilíbrio perfeito entre negócios, família e bem-estar.

Geyze Diniz é Conselheira da Península Participações, do Instituto Verdescola, do Conselho Social da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e vice-presidente do Conselho do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Economista, é criadora da marca Taeq e do Plenae, portal de bem-estar. É, também, cofundadora do movimento Pacto Contra a Fome, que atua no combate à fome e ao desperdício de alimentos.

Abilio Diniz é presidente do Conselho de Administração da Península Participações e membro dos Conselhos de Administração do Carrefour Global e do Carrefour Brasil. Na Fundação Getúlio Vargas (FGV), ministra aulas no curso “Gestão e Liderança”, dedicado à formação de novos líderes. Ao lado do pai, foi responsável pela criação e desenvolvimento do grupo Pão de Açúcar.

Confira o vídeo e, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Flávio: Abilio, no meio da pandemia, nós conversamos com você num evento virtual do escritório e você disse que tinha uma certeza: toda crise tem um fim. Naquele momento, isso foi importante para nós. Como você está vendo o Brasil, agora?

Abilio Diniz: Nós precisamos crescer. Sem crescer, nós não vamos atender toda a população brasileira. Nós tivemos, no ano passado, quase 20% sobre o PIB de taxa de investimento. Nós precisamos caminhar para 25%. O mundo tem uma quantidade imensa de capital, mas falta gestão – e o que o capital pede para investir? Segurança política e jurídica. Nós somos um país de mais de 200 milhões de habitantes com uma condição de consumo muito grande. O Brasil tem todas as condições para crescer. E se tomarmos o rumo certo, soubermos para onde vamos e como vamos, vamos crescer.

Flavio: Geyze, conte um pouco sobre o Pacto contra a Fome e como a sociedade civil pode se engajar nesse projeto?

Geyze: O Pacto contra a Fome é um movimento que vai atuar junto a governos no combate à fome e ao desperdício de alimentos no Brasil. Nossa visão é que, em 2030, nenhuma pessoa no Brasil tenha fome e, em 2040, todas estejam bem alimentadas. O pacto é um think tank de inteligência e dados; queremos movimentar os três setores: privado, terceiro setor e governo juntos nesse combate. Temos, hoje, três grandes áreas de atuação. Primeiramente, somos um hub de iniciativas. Todas que já existem, que elas venham para essa plataforma, quer seja um terceiro setor, setor privado ou até governo, e que consigamos dar visibilidade e promover sinergias entre elas, entendendo os impactos que elas causam. O segundo pilar é trabalhar no setor privado por meio do ESG. O S – social – ainda é muito pouco difundido e trabalhamos junto com o setor financeiro para que ajude a impulsionar a iniciativa. Por meio da iniciativa privada, temos um olhar de como compensar o desperdício em favor da fome. E o terceiro grande braço é advocacy e políticas públicas.

Flávio: Abilio, você sempre fala dos seus propósitos, seus pilares. Como você sistematizou isso na sua vida e quais são eles?

Abilio: Eu estudo muito, procuro aprender sempre e tenho um propósito muito claro: ser feliz, aprender e compartilhar. Até por isso que escrevi dois livros, faço palestras e dou aula na Fundação Getúlio Vargas (FGV). Enfim, compartilhar aquilo que eu tenho aprendido durante a vida. Embora tenha nascido de uma família humilde, da qual tenho muito orgulho, recebi uma grande herança. Meu pai me introduziu aos meus valores, me ensinou o que era honestidade, ética, e minha mãe me apresentou a Deus. Meus valores definem a estrada por onde ando e os meus pilares são onde me suporto para andar por essa vida. A segunda coisa em que me apoio é a atividade física. Sempre fui um esportista. Olho muito para a alimentação também. O terceiro pilar é o autoconhecimento. Ser um pouco sabedor das suas emoções. O quarto pilar é o controle do estresse. Você precisa definir muito bem na vida com o que se estressa. O que é importante? Você mesmo, saúde, família. O restante é da vida. O quinto pilar é a fé que eu tenho em Deus. Minha mãe me deu isso e eu sigo pela minha vida. E o sexto pilar é o amor, não imagino uma vida sem amor, mas não é um amor por uma pessoa, pelos filhos. É amor pela vida, por aquilo que você tem, até mais ainda por aquilo que você almeja, que você quer ter. Amor pelo seu dia a dia, amor por estar bem, por se sentir feliz, por se sentir tranquilo, sentir a alegria de estar vivo. Isso é o amor, o motor do carro da vida. E os meus valores, como eu falei, honestidade, ética e humildade: respeito, consciência de que você não sabe tudo, que precisa sempre aprender, que a opinião do outro pode ser melhor do que a sua. Depois disso, determinação e garra. Você precisa saber o que quer. Eu acredito que cada um escolhe o que quer ser na vida, vai buscar seus objetivos. Outra ferramenta é a disciplina. E o principal valor para mim é o equilíbrio emocional. É a pessoa saber que, na vida, temos papéis e atividades. E dentro desses papéis e atividades, temos que manter o equilíbrio. Essa é a sabedoria da vida.

Flávio: Conversando com vocês, dá para ver que têm muito claro qual é o propósito de cada um. Qual a importância do propósito?

Geyze: Propósito é o que nos move em direção a algum lugar. O nosso propósito vai mudando ao longo da vida, conforme o nível de maturidade ou o momento que estamos vivendo. Quanto mais consistente ele for, no fundo, ele nos ajuda a tomar caminhos na estrada da vida. E não precisa, necessariamente, ser algo filantrópico. Um propósito pode ser alguma coisa da sua evolução pessoal. E nós, evoluindo como indivíduos, mudamos o nosso entorno.

Abilio: O mundo tem 8 bilhões de pessoas. Se você começar a pensar, eu sou um entre 8 bilhões, não sou nada. Mas cada pessoa é única. Elas são substituíveis naquilo que fazem, no seu modo de agir, mas ninguém substitui uma pessoa. Então, se somos únicos, temos que pensar: o que estamos fazendo aqui, neste mundo, nesta vida? Se há uma meta que quero perseguir na vida é: ser feliz. Então meu propósito é ser feliz, aprender. Eu, quando me formei na GV, praticamente, não tinha emprego. Eu trabalhava com meu pai, que tinha uma doceria, um serviço de buffet. Mas não era aquilo que eu queria fazer na vida. Então, fiz uma application para a Michigan State University e estava pronto para ir quando meu pai veio com a ideia de fazer um supermercado. Havia muito poucos no Brasil. Fui ver e falei: aqui tem um business. E abandonei, então, a ideia de ser professor, que é uma coisa que concretizei muito mais tarde. Isso está dentro do meu propósito e me dá satisfação, alegria estar conseguindo passar coisas do meu ensinamento, principalmente, para os jovens. Para que eles possam construir um mundo melhor quando forem mais velhos.

Flávio: Como conseguimos compatibilizar uma vida equilibrada com um trabalho de alta performance?

Abilio: Cada um tem o seu jeito, seu estilo. Trabalho muito, mas compatibilizo que tenho que estar com a minha família, que dar assistência para eles. Não tem incompatibilidade. Você tem que saber o momento de dar atenção para a família e o momento de se doar para você mesmo. Quer seja para fazer esporte, quer seja para dormir – dormir é fundamental –, quer seja para se divertir. Você tem que contabilizar esses papéis.

Flávio: Geyze, você que é uma mulher que se posiciona, que enfrenta o que a incomoda, o que poderia dizer, ao longo da sua trajetória, três grandes ensinamentos que aprendeu e poderia dividir com a gente?

Geyze: O primeiro é o autoconhecimento. À medida que você se conhece, também vai entendendo o mundo ao redor, tem mais empatia com os outros. O segundo é a espiritualidade. E não estou nem falando de religião. Estou falando de você se conectar com uma força superior em que acredita e se colocar a serviço de. E um terceiro ponto é a gratidão. Um dia, lancei um desafio: queria entender se a gratidão tem alguma correlação com longevidade e com o bem-estar. Contratamos um professor, especialista em estudos científicos, que atestou que existe uma alta correlação entre gratidão e uma vida mais longa e feliz. Então, exercito isso diariamente. De pequenas coisas até em um episódio agora, muito maior para nós, que foi a morte do João Paulo. Logo nos primeiros dias, nós conversando, falei para o Abilio: vamos tentar olhar, por mais tristes que estejamos, pelo lado do copo meio cheio. Nós vivemos, você viveu esse filho por quase 59 anos. Eu tive o privilégio de viver também 20 e poucos anos com o João. E isso é gratidão. Conseguimos olhar para as coisas boas da vida. Isso tem transformado a minha vida. Claro, há momentos que não alcanço isso. Mas é um processo em que acredito muito.

Flávio: Abilio, qual o perfil que um líder que quer impulsionar transformações precisa ter?

Abilio: Um bom líder é aquele capaz de tirar dos seus liderados o melhor que eles podem dar num benefício coletivo. E o líder precisa saber que muitas pessoas vão chegar para ele e vão dizer aquilo que acham que ele gostaria de ouvir e não aquilo que ele precisaria ouvir. O líder tem que ser humano. Ele tem que considerar que está liderando gente, não máquinas. Não é um líder bonzinho, é um líder que sabe o que está fazendo. Ele precisa estar consciente disso e fazer o melhor, mas não é só o melhor. Fazer aquilo que as pessoas esperam dele. Principalmente, as pessoas esperam que ele vença e ele tem que perseguir a vitória.

Abilio: Abilio, se você pudesse voltar no tempo, olhasse para aquele menino de 20 e poucos anos que começava uma vida empresarial, que conselho daria para ele?

Abilio: O que eu aprendi desde meu tempo de jovem é que o amor é mais bonito que o ódio, que a conciliação é não só mais bonita, mas mais eficiente do que a briga, que, se você puder encontrar um caminho do bem, da conciliação, do acordo, será melhor do que o caminho da disputa, o caminho de vencer de qualquer forma. É uma coisa que fui evoluindo ao longo da vida. O que diria para ele? Calma. Tente ir pelo caminho do bem que você vai melhor e vai até ter mais sucesso.

Veja os principais trechos da entrevista